Nota técnica sobre o Projeto de Lei nº 19.965/2012

Nota técnica sobre o Projeto de Lei nº 19.965/2012

1. Referência


Projeto de Lei nº 19.965/2012 - Dispõe sobre a regularização fundiária de terras públicas, rurais e devolutas, ocupadas tradicionalmente por Comunidades Remanescentes de Quilombos e por Fundos de Pastos ou Fechos de Pastos e dá outras providências.


2. Considerações


O projeto de lei em apreço tem como objetivo disciplinar a regularização de terras públicas estaduais, rurais e devolutas, que estejam ocupadas tradicionalmente por comunidades remanescentes de quilombos e por fundos de pasto ou fechos de pasto.


Nota-se que é um tema afeto a 6ª Defensoria Pública de Direitos Humanos para prevenção, mediação e regularização fundiária, tendo em vista nos considerandos da Resolução, nº 005, de 22 de fevereiro de 2011, do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado da Bahia, restou registrado “que este projeto pretende estabelecer uma atuação específica pela DPE, voltada para a promoção dos Direitos à Moradia e à Cidade, da regularização fundiária de interesse social e mediação de conflitos fundiários”.


Neste sentido, contribuir para a discussão da regularização fundiária das comunidades tradicionais é garantir segurança jurídica aos cidadãos e cidadãs que moram nestas comunidades, qualidade de vida, dignidade, respeito aos direitos humanos, e, sem sombra de dúvida, prevenir conflitos fundiários.


Ademais, a Lei Complementar nº 26, de 28 de junho de 2006, assegura no seu artigo 3º que um dos princípios institucionais da Defensoria Pública do Estado da Bahia é “reduzir as desigualdades sociais”, ao passo que garantir a regularização fundiária das comunidades tradicionais é efetivar a política de direitos humanos do Estado Brasileiro.


Por conseguinte, o artigo 1º do Projeto de Lei nº 19.965/2012 dispõe que “Fica reconhecida a propriedade definitiva das terras públicas estaduais, rurais e devolutas, ocupadas pelas Comunidades Remanescentes de Quilombos”.


Assim, para conferir maior coerência ao projeto de lei e reforçar o dever do Estado da Bahia na execução deste segmento da política pública, sinalizo para o acréscimo da expressão “devendo o Estado emitir-lhe os respectivos títulos”. Portanto, a redação do dispositivo legal passará a ter o seguinte teor:


Art. 1º – Fica reconhecida a propriedade definitiva das terras públicas estaduais, rurais e devolutas, ocupadas pelas Comunidades Remanescentes de Quilombos, devendo o Estado emitir-lhe os respectivos títulos. (destaque nosso)


De mais a mais, o § 1º do artigo 4º do projeto de lei em questão merece algumas alterações, apenas para propiciar maior tecnicidade. Nestes termos, indico que deve ser acrescido a palavra “fundiária” após a regularização, a inserção da expressão “da Bahia” depois de do Estado e a retirada da frase “nos limites de suas competências legais”, bem como sua substituição pelo verbo “patrocinará”.


Neste diapasão, o dispositivo em questão ficará com a seguinte composição:


§ 1º – Nas questões surgidas em decorrência dos processos de regularização fundiária, a Defensoria Pública do Estado do Estado da Bahia patrocinará a defesa dos interesses das Comunidades Remanescentes de Quilombos e as de Fundos de Pastos ou Fechos de Pastos. (destaque nosso)


Outro preceito legal que merece uma adaptação é o artigo 5º também para atribuir mais tecnicidade jurídica e organização da relação das comunidades tradicionais com os responsáveis pela condução do processo administrativo.


Com efeito, proponho que a participação nos processos administrativos ocorra através da eleição de 03 (três) representantes das associações organizadas pelas comunidades tradicionais, escolhidos em assembleia geral, com o objetivo de constituir uma comissão que irá servir de referência para os atores estatais envolvidos, bem como facilitar o diálogo e salvaguardar o interesse da comunidade na troca de informações.


Considerando a proposição aqui formulada, o artigo 5º terá a seguinte redação:


Art. 5º – Fica assegurada às comunidades interessadas a participação em todas as fases do processo administrativo de regularização fundiária, através de representantes por ela constituídos, no máximo de 03 (três), mediante eleição pela assembleia geral das associações organizadas pelas Comunidades Remanescentes de Quilombos, e por Fundos de Pasto ou Fechos de Pastos.


Prosseguindo, no mesmo artigo 5º, o parágrafo único deve ser totalmente ajustado para ter coerência jurídica com outros dispositivos legais do projeto, haja vista que aquele preceito não faz referência a possibilidade de representação jurídica por Defensor Público.


Outrossim, menciona a necessidade do advogado ser inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, o que é totalmente desnecessário, já que o artigo 3º da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, reza que a denominação de advogado é privativo dos inscritos na Ordem dos Advogados, ao passo que deve-se inserir que a comunidade tradicional “deverá” indicar uma representação jurídica, a fim de evitar que as mesmas fiquem sem assistência jurídica nos processos administrativos, em homenagem aos princípios da ampla defesa e do contraditório.


Com mais esta sugestão, o parágrafo único terá a seguinte configuração jurídica:


Parágrafo único – As associações organizadas pelas Comunidades Remanescentes de Quilombos, e por Fundos de Pasto ou Fechos de Pastos, deverão indicar Advogado ou Defensor Público para acompanhar o processo administrativo de regularização fundiária.


3. Conclusão


O projeto de lei em apreço tem o mérito de reconhecer o direito das comunidades tradicionais a regularização fundiária, e perseguir a harmonia com os dispositivos legais previstos na legislação federal sobre a matéria, especialmente no que diz respeito às comunidades quilombolas.


Ademais, imperioso destacar que o projeto de lei deveria sinalizar a necessidade de estruturação da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial – SEPROMI para a certificação da comunidade de fundo de pasto ou fecho pasto e eficiente tramite do processo administrativo, através da contratação de servidores de carreira.


Por sua vez, o §2º do artigo 3º do projeto de lei estabelece um prazo para a protocolização dos pedidos de certificação das comunidades de fundo ou fecho de pasto e, por conseguinte, a regularização fundiária da área ocupada. Nota-se que o projeto também deveria prever a conscientização dos cidadãos e cidadãs que ali residem, ou a ampliação do prazo, ou até a sua eliminação do texto.


Se o projeto de lei não tiver este cuidado, o direito aqui garantido não será exercitado por seus destinatários, ante a possibilidade de seu total desconhecimento.


Por derradeiro, deve-se registrar a necessidade de divulgação das informações previstas no inciso II do artigo 8º na rede mundial de computadores, a fim de atender o princípio da transparência e estimular a pesquisa sobre as comunidades tradicionais.


Salvador, 21 de dezembro de 2012.


GIL BRAGA DE CASTRO SILVA
Defensor Público

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